EUA e União Europeia pretendem assumir o controle doMediterrâneo e isolar politicamente o Irã
Parece loucura que a oposição levantada na Síria desde 26 de janeiro de 2011 ainda continue e se desdobre, mais de um ano, sob a forma de luta armada, apesar da dura e sangrenta repressão do governo de Bashar al-Assad. Mas conforme comentou Polônio a respeito do comportamento de Hamlet, “embora seja loucura, há um método nela”.
Não
obstante existissem condições objetivas e subjetivas para as
sublevações que ocorreram e ocorrem nos países árabes, o cartel das
potências industriais do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos e seus
sócios da União Europeia, armou uma equação, com ampla dimensão
econômica, geopolítica e geoestratégica, sobretudo por trás das
sublevações na Líbia e na Síria, iniciadas em 2011.
Aliado de Rússia e China, Assad é obstáculo para avanço ocidental sobre novas descobertas de petróleo na região
Os
Estados Unidos e demais potências ocidentais pretendem assumir o
controle do Mediterrâneo e isolar politicamente o Irã, aliado da Síria,
bem como restringir a influência da Rússia e da China no Oriente Médio. A
Rússia, desde 1971, opera o porto de Tartus, na Síria, e projeta
reformá-lo e ampliá-lo, como base naval, em 2012, de modo que possa
receber grandes navios de guerra e garantir sua presença no
Mediterrâneo. Consta que a Rússia também planeja instalar bases navais
na Líbia e no Iêmen. E o financiamento da oposição na Síria desde 2005
visou a desestabilizar e derrubar o regime de al-Assad, que representa
um obstáculo, a fim de impedir o aprofundamento de suas relações com a
Rússia.
A
queda do regime sírio após a derrubada de Muamar Kaddafi na Líbia
permitiria suprimir a presença da Rússia, onde ela mantém duas bases
navais (Tartus e Latakia), cortar as vias de suprimento de armas para as
organizações pró-xiitas Hisbollah, no Líbano, e Hamas, na Palestina,
conter o avanço da China sobre as fontes de petróleo, isolar
completamente e estrangular o Irã, com a conseqüente eliminação do
governo de Mahmoud Ahmadinejad. O resultado da equação, ao mudar
completamente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, seria o
estabelecimento pelos Estados Unidos e seus sócios da União Européia
da full-spectrum dominance, ou seja, o pleno domínio territorial,
marítimo, aéreo e espacial, bem como apossar-se de todos ativos do
Mediterrâneo.
O
objetivo de controlar o Mediterrâneo, Washington e Madri manifestaram
abertamente com o acordo, anunciado em 5 de outubro de 2011, pelo qual a
base naval de Rota (Cádiz), na Espanha, devia albergar quatro
destróieres, equipados com antimísseis (BMD) da Marinha dos EUA e
operados por 1,1 mil militares e cem civis, como um sistema de defesa da
OTAN, a pretexto de prevenir ataques de mísseis balísticos do Irã e da
Coréia do Norte, e será acompanhado por outros sistemas, na Romênia,
Polônia e Turquia. E a derrubada do regime de Assad é fundamental para o
êxito da equação.
Os
aliados ocidentais sabem que não podem aplicar à Síria a mesma
estratégia da Líbia, através da OTAN, extrapolando criminosamente a
resolução do Conselho de Segurança da ONU. O apoio à sublevação na Síria
e o sistema antimísseis, implantado a partir da Espanha, indicam que o
alvo é realmente a Rússia, ainda percebida pelos Estados Unidos como seu
grande rival, razão pela qual Moscou e Beijing vetaram a resolução do
Conselho de Segurança contra o regime de al-Assad. Sua derrubada, após a
de Kadafi, completaria o controle do Mediterrâneo… Isso se os
fundamentalistas islâmicos não capturarem os governos na Síria como
virtualmente já fizeram na Líbia e provavelmente farão no Egito.
A
insurgência na Síria envolve interesses de diferentes matizes, tanto
políticos quanto religiosos, de países da região (Turquia, Arábia
Saudita e Qatar). Tudo indica, porém, que a conquista das fontes de
energia no Mediterrâneo seja um dos principais motivos pelos quais os
Estados Unidos e seus aliados estejam a encorajar abertamente a mudança
do regime. Embora a produção de petróleo, na Síria, seja modesta, da
ordem de 530 mil barris por dia, não se pode descartar, inter alia, esse
fator como rationale da sangrenta resistência, concentrada na cidade de
Homs. É preciso considerar todos os fatores a determinar o apoio à
insurgência, que o Ocidente, por meio de diversos mecanismos, inclusive
com a guerra psicológica presente na mídia internacional, e em aliança
com as monarquias absolutistas do Oriente Médio.
As
reservas de petróleo na Síria são estimadas em 2,5 bilhões de barris,
situadas principalmente na parte oriental do país, próxima à fronteira
com o Iraque, ao longo do Eufrates, havendo apenas um pequeno número de
campos, na região central. Sua localização é estratégica em termos de
segurança e de rota de transporte de energia, cuja integração se
esperava aumentar com a inauguração, em 2008, do Arab Gas Pipeline, e a
inclusão no gasoduto da Turquia, Iraque e Irã. E a Síria construiu um
sistema de oleodutos e gasodutos controlados pela empresa estatal Syrian
Company for Oil Transportation a fim de transportar óleo cru e refinado
para os portos Baniyas, situados 55 quilômetros ao sul de Latakia e 34 ao norte de Tartus, onde se encontram as duas bases navais da Rússia.
Em fevereiro de 2012, os terroristas da al-Qaeda atacaram e explodiram a maior refinaria de Síria, localizada em Baba Amro, distrito 7 quilômetros
a oeste do centro de Homs (também chamada Hims), cidade em que se
concentra a oposição ao regime de Assad. A refinaria se liga, através de
um oleoduto inaugurado em 2010, aos campos de petróleo no leste da
Síria, à estação de Tel Adas e ao porto de Tartus.
O
interesse das potências ocidentais aponta, sobretudo, para os ativos
petrolíferos no mar da região. Segundo o ministro do Petróleo e Recursos
Naturais da Síria, Sufian Allaw, os estudos científicos modernos
indicaram a existência de enorme reserva de gás natural, calculada em
122 trilhões de pés cúbicos, e petróleo, da ordem de 107 bilhões de
barris, ao longo da plataforma marítima da Síria. Diversas companhias
anunciaram recentemente terem descoberto importantes reservas de gás e
petróleo, mas a exploração é complicada devido às tensões entre os
países da região.
As
reservas, em águas profundas, nas camadas sub-sal, a leste do
Mediterrâneo, próxima à Bacia Levantina, estendem-se ao longo dos 193 quilômetros da costa da Síria até o Líbano e Israel.
Desde
2010 esses dados são conhecidos. A partir de então, o Great Game na
região intensificou-se dramaticamente com a descoberta na zona econômica
exclusiva de Israel, na Bacia Levantina, de gigantesca reserva de gás
natural denominada Leviatã. Os geólogos da U.S. Geological Survey
calculam que área, abrangendo o litoral Israel, Líbano e Síria, contém
ainda reservas que podem ser recuperadas, com o uso das atuais
tecnologias disponíveis.
O
Líbano questionou na ONU a exploração de tais reservas, dado que também
se estendem à sua zona econômica exclusiva, mas Israel não está
disposto a ceder sequer “uma polegada”, conforme declarou seu ministro
do Exterior, Avigdor Lieberman. E a companhia petrolífera americana
Nobler Energy, sediada em Houston, anunciou em fevereiro de 2012 a descoberta em Tanin, 13 milhas
ao noroeste do campo de Tamar, na plataforma maritíma de Israel, de
outro campo de gás natural, prospectando uma profundidade de 18-212
pés: um depósito de aproximadamente 120 pés de gás natural espesso.
De
acordo com as estimativas, os depósitos de gás na Bacia Levantina são
da ordem de aproximada de 3,5 trilhões de metros cúbicos. As descobertas
na zona econômica exclusiva de Israel, dos campos de Marie B, Gaza
Marine, Y ½, Leviatã, Dalit e Tamar somavam no ano passado 800 bilhões
de metros cúbicos de gás. A exploração do campo Leviatã I, em 2011,
havia alcançado 5.170 metros
de profundidade. Neste ponto, os depósitos de gás natural eram
estimados em 16 trilhões de metros cúbicos. No nível de 7,2 mil metros,
estima-se uma reserva adicional de 250 milhões de metros cúbicos. As
grandes descobertas da Nobler Energy, que explora a zona econômica
exclusiva de Israel, são estimadas entre 900 bilhões e 1,4 trilhão de
pés cúbicos de gás. Ao lado de tais reservas de gás, há a possibilidade
da existência de 4,2 bilhões de barris de óleo.
As
grandes reservas de óleo e gás, ao longo da Grécia, Turquia, Chipre,
Síria, Líbano e Israel, são da maior importância geoeconômica,
geopolítica e geoestratégica, uma vez que podem abastecer diretamente o
Estados Unidos e a União Européia e evitar as ameaças de interrupção no
Golfo Pérsico, por onde atualmente milhões de barris dos hidrocarbonetos
são transportados em navios-tanques e oleodutos. A disputa dessas
fontes de gás e óleo, na Bacia Levantina, constitui também fator do
litígio geopolítico entre a Turquia e a República de Chipre, bem como
entre Israel e o Líbano, evidenciando o grau da relevância estratégica
da Bacia Levantina, que se estende do mar da Líbia à Síria.
Em
24 de março de 2011, o ministro do Petróleo e Recursos Minerais e a GPC
(General Petroleum Corporation), empresa estatal da Síria, anunciou a
abertura de uma concorrência internacional para a exploração e produção
de petróleo, oferecendo três blocos (I, II e III), cada um com 3
mil km2 em uma extensão total de 9.038 Km2 , localizados offshore, na
zona econômica da Síria.
O
anúncio da concorrência excitou as empresas petrolíferas, ao abrir a
perspectiva de acesso aos hidrocarbonetos, em uma área sub-explorada e
considerada como a verdadeira fronteira da exploração de petróleo no
Mediterrâneo. O centro desse projeto são 5 mil quilomêtros de
“long-offset multi-client 2D seismic data”, ou seja, dados geológicos
(coletados através de explosões que provocam ressonâncias sísmiscas,
como uma espécie de pequeno terremoto controlado) adquiridos pela
companhia francesa CGGVeritas, em 2005, para exploração em águas
profundas, entre 500 e 1,700 m.
A
Síria é uma arena onde as rivalidades não são apenas políticas,
geopolíticas, mas também religiosas. Essa particularidade está
no transfondo da luta armada contra o regime de Bashar al-Assad,
sustentado pela Rússia e pelo Irã. Aí estão no Great Game os interesses
hegemônicos da Turquia, na região, bem como dos Estados Unidos, França,
Reino Unido e seus aliados da Liga Árabe. E não existe mais a menor
dúvida de que a insurgência contra o regime de Bashar al-Assad é
sustentada com armas e dinheiro pelas potências ocidentais e pelos seus
aliados do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo), as seis monarquias
mais retrógradas e absolutistas do Oriente Médio, entre quais a tirania
teocrática wahhabista do rei Abdallah bin Abdul Aziz Al-Saud, da Arábia
Saudita, e do seu aliado, o emir de Qatar, o xeque Hamad bin Khalifa Al
Thani.
Opera Mundi
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