domingo, 29 de abril de 2012

Os Dois ou o Inglês Maquinista - Luís Carlos Martins Pena

 Os Dois ou o Inglês Maquinista, de Luís Carlos Martins Pena, é a novidade entre os livros para o Vestibular da UFPR para 2012/2013, portanto é só acessar o link abaixo e terá o livro que se encontra em domínio público.

http://www.dominiopublico.gov.br.

Resumos dos livros - Vestibular UFPR 2012/2013

 

Anjo Negro - Nelson Rodrigues

 
O elemento que direciona todas as ações humanas nesta obra de Nelson Rodrigues é a sexualidade, apresentada sempre de forma corrompida. O sexo está o tempo todo relacionado à violência e ao desejo proibido.
Parece haver uma preocupação do autor em perturbar o leitor, utilizando o choque para trazer à tona tudo o que está velado na sociedade. Trata-se de uma tragédia com um desfecho inesperado: embora tudo induza ao fato de que Virgínia será morta pelo marido, a história termina com a morte da filha de Virgínia, tramada pela própria mãe com a ajuda de Ismael.
Escrita em 1946, Anjo Negro rompe com características até então comuns ao teatro brasileiro, como a unidade temporal (história transcorrida ao logo de apenas um dia).
Gênero
Literatura Dramática
Narrador
Na literatura dramática não há um narrador, pois a história é contada em forma de diálogos.
Personagens principais
Ismael: Médico. Homem negro, inescrupuloso e violento. Profundamente recalcado em função de sua cor, diz à filha (Ana Maria) que é branco e a cega para que não perceba a realidade. Da mesma forma, há indícios de que tenha cegado o irmão de criação, branco, por uma ardilosa troca de remédios. Ismael ama o branco, mas com violência, o que fica claro pelo isolamento a que submete a mulher para que ninguém a veja.
Virgínia: Mulher de Ismael, branca, vítima da violência sexual do marido. Logo no início da trama, ela deseja o noivo da prima com quem é criada e se deixa possuir por ele. Ao descobrir a traição, a prima se enforca e a tia de Virgínia, para se vingar pela morte da filha, promove o estupro da sobrinha por Ismael. Virgínia desenvolve a arte da sobrevivência por meio da sexualidade, que é o que vai salvá-la no fim da trama.
Ana Maria: Filha branca de Virgínia, fruto de sua relação extraconjugal com Elias, irmão de criação de Ismael. Inexpressiva na obra, aparece apenas no terceiro ato. É enganada e abusada sexualmente por Ismael.
Elias: Irmão de criação de Ismael, branco. Tudo indica que foi cegado pelo irmão.
Tia (de Virgínia): Mulher vingativa, cruel e superprotetora das filhas.
Tempo
Não fica claro em que momento transcorre a história. Do segundo para no terceiro ato, há um hiato de aproximadamente 15 anos.
Espaço
Não há nenhuma referência à paisagem externa. Toda a história se passa no quintal, na frente e dentro da casa de Ismael.

Ênio José Ditterich, mestre em Literatura pela UFPR
Fonte:  Gazeta do Povo, no dia 17/10/2011
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Felicidade Clandestina  -  Clarice Lispector

Reunião de 25 relatos curtos publicados semanalmente no Jornal do Brasil, em 1967, Felicidade Clandestina é considerado o livro mais autobiográfico de Clarice Lispector, reforçado pelo foco narrativo na primeira pessoa do singular. São crônicas independentes, mas há uma espécie de costura invisível entre elas que garante unidade e a ideia de um narrador constante.
O aluno que apenas lê o texto sem interpretá-lo subjetivamente pode ter problemas, já que o texto de Clarice não é objetivo e sua busca está no significado existencial do ser humano. A UFPR costuma testar os conhecimentos do vestibulando quanto ao contexto histórico da obra. Neste caso, o aluno deve estudar os traços do Modernismo e saber dimensionar Clarice Lispector na terceira geração, marcada pela reflexão, inovação estilística e o uso de metalinguagem.
Gênero
Contos
Narrador
Narrativa em primeira pessoa do singular, recurso que por vezes mescla a noção de personagem e autor. Em alguns contos é possível identificar personagens como alter-egos de Clarice, como a menina do conto-título de Felicidade Clandestina.
Personagens principais
Ainda que distintos em cada crônica, trazem características semelhantes. São tipos comuns, irrelevantes aos olhos da sociedade, em cenas corriqueiras do cotidiano. Entretanto, a autora valoriza seu momento interior e cristaliza seu processo de epifania – revelação, descoberta diante de um acontecimento mínimo, mas capaz de transformar a perspectiva dos personagens. Apesar de minuciosamente descritos, sua descrição não é objetiva. Em Clarice, a descrição física é apenas um atalho para a descrição psicológica. Os personagens do livro não têm nome, o que gera maior identificação e provoca a catarse do leitor, que é capaz de sentir emoções de vivências que não são suas.
Tempo
Assim como o conteúdo analítico dos contos, o tempo também não é objetivo. O fluxo de consciência em Clarice Lispector torna embaçada a noção de tempo. No conto-título, sabe-se que o tempo é a infância, embora ao final a autora evidencie o processo de amadurecimento da protagonista. De forma geral, há uma percepção temporal alterada, já que a ação do conto pode ter se passado em poucos dias, mas tem-se a impressão de que o suplício da menina durou uma eternidade.
Espaço
A construção espacial é simples, retratando o cotidiano infantil de uma menina comum em Recife. Mas Stella Bello lembra: “Felicidade clandestina é uma obra metafísica, que rompe com os limites de espaço-tempo por meio do fluxo da consciência, característica que a autora explorou de várias formas, sempre mantendo uma estética própria.”


Stella Bello, Especialista em Literatura Brasileira e professora da disciplina no curso Dynâmico.
Fonte: Gazeta do povo, 17/10/2011
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Inocência  - Visconde de Taunay

Publicado na segunda metade do século 19, o romance Inocência pertence à vertente do Romantismo conhecida como regionalismo romântico, caracterizada por apresentar paisagens, costumes e comportamentos típicos de determinadas regiões do Brasil. É nesse aspecto, aliás, que a obra se aproxima do Realismo. Os aspectos do Romantismo podem ser percebidos nos temas trabalhados pelo autor: a idealização do amor e o final trágico.
O dualismo na obra também está presente no enredo e na linguagem. Há uma nítida oposição entre o mundo rural, representado por Pereira, e o mundo urbano, na figura de Meyer. Também há um mescla entre a linguagem culta (expressa pelo narrador) e a linguagem regional (especialmente no discurso de Pereira).
Gênero
Romance
Narrador
Em terceira pessoa e onisciente.
Personagens principais
Pereira: Pai de Inocência. Homem rude, com visão machista e patriarcal, como demonstra o trecho a seguir: “Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo! Se não tomam estado, ficam juraras e fanadinhas…; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado… E depois, as histórias! Ih meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo… São redomas de vidro que tudo pode quebrar… Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais… O Manecão que se agüente, quando a tiver por sua .. Com gente de saia não há que fiar… Cruz! botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho.”
Inocência: Bela, pura e ingênua. É um exemplo de idealização romântica.
Meyer: Naturalista alemão que pesquisa os insetos da flora brasileira. Representa o mundo urbano e civilizado, que se opõe à concepção machista de Pereira. Essas duas visões de mundo entram em conflito quando Meyer elogia a beleza de Inocência. O que para ele é algo normal, corriqueiro, para Pereira representa uma ofensa, uma transgressão da boa conduta dentro de uma casa de família.
Cirino: Homem bom, mas fraco, que se auto-intitula médico quando na verdade não passa de um curandeiro. Apaixona-se por Inocência e é assassinado por Manecão.
Manecão: Homem rude e violento para quem Inocência está prometida.
Tico: Anão mudo que vigia Inocência.
Tempo
A narrativa se desenrola em meados do século 19.
Espaço
Sertão do Mato Grosso.


João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família. 

 Fonte: Gazeta do povo, 17/10/2011
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Lucíola - José de Alencar

Este romance de José de Alencar conta a história de Lucíola (Lúcia), uma prostituta de luxo do Rio de Janeiro do século XIX.
Paulo, rapaz do interior, vem para o Rio de Janeiro e conhece Lúcia, sem saber da sua real identidade, e se sente atraído por ela. Couto, seu amigo, acaba com a ilusão de Paulo contando-lhe da sua verdadeira profissão. Paulo não desiste, vai até a casa dela e os dois passam a noite juntos. Mas Lúcia volta atrás e, depois disso, retorna à vida que levava.
Mas ela se arrepende e os dois decidem ficar juntos. Os dois se mudam para uma casa pequena, muito diferente da antiga mansão de luxo de prostituição. Nesse momento, Lúcia revela a Paulo o seu verdadeiro nome, Maria da Glória. No surto de febre amarela, em 1850, todos os seus familiares ficaram enfermos. Ela, para comprar remédios, se entrega a Couto aos 14 anos, mas o pai, sabendo do ocorrido, a expulsa de casa. Depois da morte de sua amiga Lúcia, ela adota esse nome e simula a família o próprio falecimento. Com o dinheiro adquirido nos últimos anos, se responsabilizava por arcar com os estudos da sua irmã Ana.
Passa o tempo e Lúcia fica grávida, mas, logo em seguida, ela adoece. A enfermidade é para ela o castigo pelos seus pecados. Ela confessa seu amor a Paulo, se recusa a fazer o aborto e pede que ele se case com sua irmã Ana. Paulo se recusa e ela morre.
Paulo assume os cuidados de Ana e esta se casa com um bom homem. O protagonista permanece sozinho e infeliz com a falta do seu verdadeiro amor.
Análise
José de Alencar constrói, nesse romance urbano, a purificação da alma de Lucíola. Os seus erros do passado não são perdoados no amor romântico, por isso ela não pode ser feliz.
O livro também faz uma crítica contra o preconceito. Paulo tem dificuldades de escolher entre o seu amor e as consequências da sua paixão por uma prostituta.
Tempo
Metade do século XIX, Segundo Reinado. A narração é cronológica, ou seja, os fatos ocorrem em sequência.
Narrador
Narrado em primeira pessoa, por Paulo, por meio de cartas enviadas a uma senhora.
Curiosidade
Lucíola é o nome de um inseto noturno que brilha nos charcos.


Marcelo Müeller, professor do Curso Pré-Vestibular Dom Bosco.
Fonte: Gazeta do povo, 17/10/2011

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Urupês  -   Monterio Lobato


Apesar de Monteiro Lobato representar a transição entre o Realismo/Naturalismo e as correntes do Modernismo, o autor se indispôs profundamente com os escritores modernistas da primeira geração, que responderam a Urupês com a obra Juca Mulato, de Menotti del Picchia. Entre os traços típicos de Monteiro Lobato, estão o tom moralizante e didático que também aparece nas obras infantis do autor, além de sua obsessão pela linguagem e gramática
Narrador
Varia entre primeira e terceira pessoa. Na explicação do mestre em Literatura Enio José Ditterich, o típico narrador de Monteiro Lobato é aquele “contador de causos”, um personagem que ouviu a história que está reproduzindo.
Personagens
Monteiro Lobato apresenta o homem como produto do meio, e utiliza traços do expressionismo alemão para compor muitos dos personagens de Urupês, incluindo o caboclo Jeca Tatu da crônica-título do livro. “Dentro da estética expressionista, o mais evidente é o Bocatorta, criatura grotesca apresentada em um dos contos do livro, semelhante ao Corcunda de Notre Dame”, compara Enio Ditterich. Tipos oportunistas, como o malandro vigarista, estão presentes em Urupês, como no conto O comprador de Fazendas. Ênio sugere atenção redobrada na leitura da crônica que nomeia o livro, mas avisa que é preciso compreender muito bem o contexto histórico-social brasileiro do período a que pertenceu Monteiro Lobato, pois o autor está intimamente relacionado a ele.
Tempo
Está vinculado ao período do autor, portanto retrata o Brasil das primeiras décadas do século XX. “Costumo dizer que Monteiro Lobato é o homem que inventou a máquina do tempo, porque suas descrições minuciosas de um Brasil primitivo, arborizado e provinciano fazem o leitor ser transportado para o período em que a história é narrada”, revela Enio Ditterich.
Espaço
Em Urupês, o espaço é bem definido, enfocando a paisagem do interior do estado de São Paulo, onde nasceu o autor. Lobato faz uma descrição detalhada da geografia, fauna e flora da região, o que pode ser enfadonho especialmente para o leitor urbano. “Por conta da destruição do meio ambiente, muitas espécies descritas pelo autor em Urupês já não existem mais e, portanto, são desconhecidas do leitor mais jovem”, avalia. Nesse sentido, a obra está presa a seu tempo e espaço particulares. Mas, se o leitor tem conhecimento e curiosidade, irá descortinar um novo mundo”, afirma. Para Enio Ditterich, Monteiro Lobato tinha uma postura altamente ecológica bem antes deste termo estar na moda.
Coletânea de contos e crônicas em que o pré-modernista Monteiro Lobato inaugura um tipo de regionalismo crítico e mais realista do que o pitoresco e fantasioso praticado anteriormente, no Romantismo. A crônica que dá título ao livro, Urupês, traz uma visão depreciativa do caboclo brasileiro, o “fazedor de desertos”, estereótipo contrario à visão romântica dos autores modernistas.

Fonte: Enio José Ditterich, mestre em Literatura Brasileira pela UFPR.
Gazeta do Povo - 17/10/2011
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Romanceiro de Inconfidência  - Cecília Meireles


Publicado em 1953, Romanceiro da Inconfidência é um poema lírico-narrativo de viés histórico que evoca em versos os personagens e o contexto da Inconfidência Mineira.
A obra destoa do conjunto de Cecília Meireles, pois ela distancia-se de sua condição de poeta neo-simbolista e dos ideais da segunda fase modernista para mergulhar no arcadismo do século 18. Pode haver confusão quanto à caracterização do “boom minerador”, o que pode se evitar se observados os elementos da tradição lendária (caçador que se embrenha na mata, a donzela assassinada pelo pai, os cantos do negro nas catas, a que se podem associar os romances Do Chico-Rei e o De Vira-e-Sai) e os elementos da tradição histórica (Chica da Silva, o ouvidor Bacelar, a cobiça do conde de Valadares e as ideias de libertação relacionadas ao momento histórico).
Forma
Romanceiro da Inconfidência é, na verdade, um grande poema em prosa composto a partir de cinco eixos temáticos: ambiente e contexto; articulação e fracasso; morte de Claudio Manuel da Costa e Tiradentes; infidelidade de Gonzaga e Alvarenga; conclusão e D. Maria I. Para o professor Marlus Geronasso, este pode ser considerado um dos livros mais difíceis do Vestibular da UFPR, porque exige do aluno um conhecimento prévio dos ideais árcades. A linguagem também pode ser um dificultador para quem conhece a obra de Cecília Meireles, já que a autora distancia-se do coloquialismo e resgata expressões em desuso da língua portuguesa.
Personagens
O leitor vai encontrar menções a conhecidos personagens da Inconfidência Mineira, como Cláudio Manuel da Costa e as circunstancias misteriosas envolvendo sua morte, o poeta árcade Tomás Antonio Gonzaga e a Marília de Dirceu, o minerador José de Alvarenga Peixoto e sua esposa Bárbara, além do mártir Tiradentes.
Tempo
Embora a obra não adote uma cronologia e passagem temporal, ela está situada no século XVIII e abrange desde o período que antecede a revolta até a morte dos inconfidentes, quando Cecília Meireles homenageia os heróis da tragédia mineira.
Espaço
A autora não faz alusões diretas ao espaço geográfico evocado na narrativa, já que sua intenção é valorizar os personagens da história, mas sabe-se que o palco dos acontecimentos é a cidade de Vila Rica, centro do poder da então capitania de Minas Gerais, hoje Ouro Preto.


Fonte: Marlus Humberto Geronasso, professor de Literatura do curso Unificado e coordenador do projeto Eureka, da TV Educativa do Paraná.
Gazeta do povo - 17/10/2011
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Poemas Escolhidos - Gregório de Matos


Livro que reúne poesias do grande autor barroco Gregório de Matos, organizadas por José Miguel Wisnik.
Gregório de Matos participa do Barroco, período literário que vai de 1601 a 1768. O Barroco convive com a Contra-Reforma, época em que a Igreja reage à reforma protestante de Lutero.
Existem duas visões antagônicas nesse período. De um lado, a Igreja Católica, com uma visão teocêntrica em que Deus é considerado o centro do Universo. Da outra parte, estão os pensadores do fim do Renascimento que ainda tinham influência sobre a sociedade e propagavam o antropocentrismo, ou seja, a primazia do humanismo. A arte barroca nasce do conflito dessas duas visões.
Gregório de Matos viveu na Bahia, no início da época colonial brasileira, e consegue retratar todas essas dualidades vividas pelo homem barroco.
No autor é possível encontrar uma vertente religiosa e sacra, outra satírica e mundana e uma terceira, a lírica. As três são contempladas no livro Poemas Escolhidos.
Poesia sacra
Gregório de Matos aparece contrito, arrependido das suas faltas.
Poesia satírica
Em alguns poemas, o poeta faz uma crítica contundente aos problemas da sociedade da época, a pessoas de todas as classes sociais. Em outros, mais sensuais, faz uso de termos obscenos. Por isso, o autor recebeu o apelido de “Boca do Inferno”.
Poesia lírica
É a de menor interesse. O autor faz homenagem às suas musas.
LinguagemGregório abusa de paradoxos e antíteses, de aproximações de ideias opostas, de sinestesias, da linguagem rebuscada e complexa e de inversões sintáticas.


Fonte: João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família.
Gazeta do Povo - 17/10/2011
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O Bom Crioulo  - Adolfo Caminha

Publicado em 1895, o livro conta a história da paixão homossexual do marinheiro negro Amaro, o “bom crioulo”, pelo jovem Aleixo. Os dois se conhecem em uma embarcação e, depois de algumas peripécias, ficam juntos. Passa o tempo e Aleixo trai Amaro com uma mulher mais velha, que o seduz. Amaro encontra os dois juntos e mata o rapaz.
Sendo um livro naturalista, o texto apresenta sem eufemismos os subúrbios sórdidos do Rio de Janeiro, no final do século XIX. Além do homossexualismo, o livro aborda a vida difícil dos marinheiros dessa época, com trabalho duro e torturas.
Tempo e espaço
A história acontece em dois lugares, na corveta, o barco onde trabalhavam Amaro e Aleixo, e na Rua da Misericórdia, na periferia do Rio de Janeiro.
Ideias importantes
- O livro defende a tese do determinismo. Os personagens não são livres para seguir condições diferentes daquelas em que estão.
- Caminha, com o texto, quer criticar a sociedade da sua época, a qual considerava hipócrita


João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família.
Fonte Gazeta do povo 17/10/2011
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Novas Diretrizes em tempos de paz  -  Bosco Brasil


O livro é uma peça de teatro escrita por Bosco Brasil. A obra foi escrita em 2001, encenada pela primeira vez em 2002 e publicada apenas em 2005. Narra a história de um judeu polonês Clausewitz, refugiado da Segunda Guerra Mundial, que tenta conseguir, depois de já ter obtido o visto, o carimbo de entrada no Brasil. O polonês depende da boa vontade de Segismundo, um antigo policial torturador, acostumado à brutalidade, que agora trabalha na polícia política do governo.
Clausewitz se apresenta como agricultor e insiste em convencer o duro Segismundo a dar-lhe a nacionalidade brasileira. O Brasil, advoga o polonês, precisa de pessoas como ele para a lavoura. Segismundo, decidido a negar a petição, desafia o polonês a fazê-lo chorar e promete conceder o visto caso ele o consiga. Clausewitz começa então a declamar fragmentos da obra “A vida é sonho”, do autor espanhol Pedro Calderón de la Barca, cujo protagonista também se chama Segismundo. O policial, que não conhecia a obra, começa a derramar lágrimas. Surpreendido com a própria reação, Segismundo decide conceder o salvo-conduto a Clausewitz.
Nesse momento, o polonês revela a sua verdadeira profissão: ator. O livro termina com uma ode à arte e ao teatro com a tese de que o Brasil não precisa de mais agricultores e sim de mais teatro:
“(…) Olha, eu sei que o Brasil precisa de braços para a agricultura, mas eu sou ator. Esta é a minha profissão. Eu ainda não sei para que serve o Teatro no mundo depois da Guerra. Só sei que eu tenho que continuar a fazer o que sei fazer. Um dia alguém vai saber para que serve. Se serve. Para mim me basta fazer. Fazer teatro”, afirma Clausewitz.
Tempo e espaço
Toda a história acontece no dia 18 de abril de 1945, na alfândega do Rio de Janeiro.
Característica do livro
A obra é metalinguística, ou seja, usa a linguagem para falar da própria linguagem. No caso de “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, o autor adota uma peça de teatro para discutir a função do gênero teatral.


Professor Fábio Bettes, do Curso Positivo.
Fonte: Gazeta do povo 17/10/2011
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São Bernardo - Graciliano Ramos

Representante da segunda geração do Modernismo, São Bernardo é um romance narrado em primeira pessoa por Paulo Honório, que se propõe a escrever um livro sobre a própria vida. O narrador faz comentários sobre questões estilísticas de sua autobiografia (escreve sobre o ato de escrever), processo chamado de metalinguagem.

Inescrupuloso e explorador, ele utiliza todos os meios para obter a posse da fazenda São Bernardo e torná-la mais produtiva. Paulo Honório representa a ideologia capitalista, que se choca com o ideal socialista de Madalena, mulher humanitária que não concorda com a forma como o marido trata os empregados.
O narrador reflete sobre a influência do meio em sua personalidade quando afirma: “A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.”
Gênero
Romance
Narrador
Narrador em primeira pessoa (Paulo Honório)
Personagens principais
Paulo Honório: Homem rude, obcecado pela fazenda São Bernardo.
Madalena: Mulher de Paulo Honório. Representa visão socialista e humanitária, incompatível com o mundo capitalista do marido.
Casimiro Lopes: Capanga de Paulo Honório. É comparado pelo patrão a um cão de guarda.
Luiz Padilha: Ex-proprietário de São Bernardo. Após perder a posse da fazenda, é contratado por Paulo Honório como professor da escola que funciona na propriedade.
Tempo
A narrativa se desenrola na década de 1930.
Espaço
O sertão de Alagoas, que é o estado natal do Graciliano Ramos. Quase todos os romancistas da segunda geração do Modernismo terão suas histórias ambientadas no Nordeste (as histórias de Jorge Amado, por exemplo, se passam na Bahia e as de Raquel de Queiroz, no Ceará).


Fonte: João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família.

Publicado na Gazeta do Povo 17/10/2011

http://www.gazetadopovo.com.br/vida-universidade/vestibular/literatura/

sábado, 28 de abril de 2012

LUA ADVERSA --- Cecília Meireles




LUA ADVERSA

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles

RETRATO - Cecília Meireles




Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"

Cecília Meireles

NEM TUDO É FÁCIL - Cecília Meireles







NEM TUDO É FÁCIL   -   Cecília Meireles



É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.
Se você errou, peça desculpas...
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?
Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida...Mas, com certeza, nada é impossível
Precisamos acreditar, ter fé e lutar
para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos,
realidade!!!

Toda Mulher é Doida - Martha Medeiros





Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o nosso poder de sedução para encontrar the big one, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá prá ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso, temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar loura e cafetina, ou sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.




Martha Medeiros

TREM DE FERRO - Manuel Bandeira

Trem de Ferro   -- Manuel Bandeira

 Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

PASSEIO SUBURBANO - Mário Quintana

Passeio Suburbano

Encontrei uma menina
que me perguntou se era verdade que iam demolir aquele
[belíssimo pé de figueira
Não, ela não disse belíssimo...
Foi por uma questão de ritmo que acrescentei aqui esse
[adjetivo inútil.

Feliz de quem vive ainda no mundo dos substantivos:
o resto é literatura...
Sorri-lhe cumplicemente
( e tristemente )
porque me lembro que em meio ao quintal lá de casa
havia uma paineira enorme
( ultrapassava em altura o primeiro andar de meu quarto ).
Quando florescia, era uma glória!

Talvez fosse ela que impediu que meus sonhos de
[menino solitário
tenham sido todos em preto-e-branco.
Uma glória... Até que um dia
foi posta abaixo
simplesmente
"porque prejudicava o desenvolvimento das árvores
[frutíferas".

Ora, as árvores frutíferas!
Bem sabes, meninazinha, que os nossos olhos também precisam de alimento.

Mário Quintana, O Baú de Espantos

HORA DE DORMIR 

Fernando Sabino


- Por que não posso ficar vendo televisão?
- Porque você tem de dormir.
- Por quê?
- Porque está na hora, ora essa.
- Hora essa?
- Além do mais, isso não é programa para menino.
- Por quê?
- Porque é assunto de gente grande, que você não entende.
- Estou entendendo tudo.
- Mas não serve para você. É impróprio.
- Vai ter mulher pelada?
- Que bobagem é essa? Ande, vá dormir que você tem colégio amanhã cedo.
- Todo dia eu tenho.
- Está bem, todo dia você tem. Agora desligue isso e vá dormir.
- Espera um pouquinho.
- Não espero não.
- Você vai ficar aí vendo e eu não vou.
- Fico vendo não, pode desligar. Tenho horror de televisão. Vamos, obedeça a seu pai.
- Os outros meninos todos dormem tarde, só eu que durmo cedo.
- Não tenho nada que ver com os outros meninos: tenho que ver com meu filho. Já para a cama.
- Também eu vou para a cama e não durmo, pronto. Fico acordado a noite toda.
- Não comece com coisa não, que eu perco a paciência.
- Pode perder.
- Deixe de ser malcriado.
- Você mesmo que me criou.
- O quê? Isso é maneira de falar com seu pai?
- Falo como quiser, pronto.
- Não fique respondendo não: cale essa boca.
- Não calo. A boca é minha.
- Olha que eu ponho de castigo.
- Pode pôr.
- Venha cá! Se der mais um pio, vai levar umas palmadas.
- Quem é que anda lhe ensinando esses modos? Você está ficando é muito insolente.
- Ficando o quê?
- Atrevido, malcriado. Eu com sua idade já sabia obedecer. Quando é que eu teria coragem de responder a meu pai como você faz. Ele me descia o braço, não tinha conversa. Eu porque sou muito mole, você fica abusando .. . Quando ele falava está na hora de dormir, estava na hora de dormir.
- Naquele tempo não tinha televisão.
- Mas tinha outras coisas.
- Que outras coisas?
- Ora, deixe de conversa. Vamos desligar esse negócio. Pronto, acabou-se. Agora é tratar de dormir.
- Chato.
- Como? Repete, para você ver o que acontece.
- Chato.
- Tome, para você aprender. E amanhã fica de castigo, está ouvindo? Para aprender a ter respeito a seu pai.
- E não adianta ficar aí chorando feito bobo. Venha cá.
- Amanhã eu não vou ao colégio.
- Vai sim senhor. E não adianta ficar fazendo essa carinha, não pense que me comove. Anda, venha cá.
- Você me bateu...
- Bati porque você mereceu. Já acabou, pare de chorar. Foi de leve, não doeu nem nada. Peça perdão a seu pai e vá dormir.
- Por que você é assim, meu filho? Só para me aborrecer. Sou tão bom para você, você não reconhece. Faço tudo que você me pede, os maiores sacrifícios. Todo dia trago para você uma coisa da rua. Trabalho o dia todo por sua causa mesmo, e quando chego em casa para descansar um pouco, você vem com essas coisas. Então é assim que se faz?
- Então você não tem pena de seu pai? Vamos! Tome a bênção e vá dormir.
- Papai.
- Que é?
- Me desculpe.
- Está desculpado. Deus o abençoe. Agora vai.
- Por que não posso ficar vendo televisão?

Valsa  -   Cecília Meireles

Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos,
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias do mundo...
- Os ares fogem, viram-se águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.

Meu destino


Meu Destino


Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida…

Cora Coralina

Quando estás vestida

Quando estás vestida

Quando estás vestidas,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Manuel Bandeira
 O OUTRO          -     Rubem Fonseca


Eu chegava todo dia no meu escritório às oito e trinta da manhã. O carro parava na porta do prédio e eu saltava, andava dez ou quinze passos, e entrava.

Como todo executivo, eu passava as manhãs dando telefone­mas, lendo memorandos, ditando cartas à minha secretária e me exasperando com problemas. Quando chegava a hora do almoço, eu havia trabalhado duramente. Mas sempre tinha a impressão de que não havia feito nada de útil.

Almoçava em uma hora, às vezes uma hora e meia, num dos restaurantes das proximidades, e voltava para o escritório. Havia dias em que eu falava mais de cinqüenta vezes ao telefone. As cartas eram tantas que a minha secretária, ou um dos assistentes, assinava por mim. E, sempre, no fim do dia, eu tinha a impressão de que não havia feito tudo o que precisava ser feito. Corria contra o tempo. Quando havia um feriado, no meio da semana, eu me irritava, pois era menos tempo que eu tinha. Levava diariamente trabalho para casa, em casa podia produzir melhor, o telefone não me chamava tanto.

Um dia comecei a sentir uma forte taquicardia. Aliás, nesse mesmo dia, ao chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um sujeito que me acompanhou até a porta dizendo "doutor, doutor, será que o senhor podia me ajudar?". Dei uns trocados a ele e entrei. Pouco de­pois, quando estava falando ao telefone para São Paulo, o meu coração disparou. Durante alguns minutos ele bateu num ritmo fortíssimo, me deixando extenuado. Tive que deitar no sofá, até passar. Eu estava tonto, suava muito, quase desmaiei.

Nessa mesma tarde fui ao cardiologista. Ele me fez um exame minucioso, inclusive um eletrocardiograma de esforço, e, no final, disse que eu precisava diminuir de peso e mudar de vida. Achei graça. Então, ele recomendou que eu parasse de trabalhar por algum tempo, mas eu disse que isso, também, era impossível. Afinal, me prescreveu um regime alimentar e mandou que eu caminhasse pelo menos duas vezes por dia.

No dia seguinte, na hora do almoço, quando fui dar a caminhada receitada pelo médico, o mesmo sujeito da véspera me fez parar pedindo dinheiro. Era um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos. Dei a ele algum dinheiro e prossegui.

O médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado poderia a qualquer momento ter um enfarte. Tomei dois tranqüilizantes, naquele dia, mas isso não foi suficiente para me deixar totalmente livre da tensão. À noite não levei trabalho para casa. Mas o tempo não passava. Tentei ler um livro, mas a minha atenção estava em outra parte, no escritório. Liguei a televisão mas não consegui agüentar mais de dez minutos. Voltei da minha caminhada, depois do jantar, e fiquei impaciente sentado numa poltrona, lendo os jornais, irritado.}

Na hora do almoço o mesmo sujeito emparelhou comigo, pedindo dinheiro. "Mas todo dia?", perguntei. "Doutor", ele respondeu, "minha mãe está morrendo, precisando de remédio, não conheço ninguém bom no mundo, só o senhor." Dei a ele cem cruzeiros.

Durante alguns dias o sujeito sumiu. Um dia, na hora do almoço, eu estava caminhando quando ele apareceu subitamente ao meu lado. "Doutor, minha mãe morreu”. Sem parar, e apressando o passo, respondi, "sinto muito". Ele alargou as suas passadas, mantendo-se ao meu lado, e disse "morreu". Tentei me desvencilhar dele e comecei a andar rapidamente, quase correndo. Mas ele correu atrás de mim, dizendo "morreu, morreu, morreu", estendendo os dois braços contraídos numa expectativa de esforço, como se fossem colocar o caixão da mãe sobre as palmas de suas mãos. Afinal, parei ofegante e perguntei, "quanto é?". Por cinco mil cruzeiros ele enterrava a mãe. Não sei por que, tirei um talão de cheques do bolso e fiz ali, em pé na rua, um cheque naquela quantia. Minhas mãos tremiam. "Agora chega!”, eu disse.

No dia seguinte eu não saí para dar a minha volta. Almocei no escritório. Foi um dia terrível, em que tudo dava errado: papéis não foram encontrados nos arquivos, uma importante concorrência foi perdida por diferença mínima; um erro no planejamento financeiro exigiu que novos e complexos cálculos orçamentários tivessem que ser elaborados em regime de urgência. À noite, mesmo com os tranqüilizantes, mal consegui dormir.

De manhã fui para o escritório e, de certa forma, as coisas melhoraram um pouco. Ao meio-dia saí para dar a minha volta.

Vi que o sujeito que me pedia dinheiro estava em pé, meio escondido na esquina, me espreitando, esperando eu passar. Dei a volta e caminhei em sentido contrario. Pouco depois ouvi o barulho de saltos de sapatos batendo na calçada como se alguém estivesse correndo atrás de mim. Apressei o passo, sentindo um aperto no coração, era como se eu estivesse sendo perseguido por alguém, um sentimento infantil de medo contra o qual tentei lutar, mas neste instante ele chegou ao meu lado, dizendo, "doutor, doutor". Sem parar, eu perguntei, "agora o quê?". Mantendo-se ao meu lado, ele disse, "doutor, o senhor tem que me ajudar, não tenho ninguém no mundo". Respondi com toda autoridade que pude colocar na voz, "arranje um emprego". Ele disse, "eu não sei fazer nada, o senhor tem que me ajudar". Corríamos pela rua. Eu tinha a impressão de que as pessoas nos observavam com estranheza. "Não tenho que ajudá-lo coisa alguma", respondi. "Tem sim, senão o senhor não sabe o que pode acontecer", e ele me segurou pelo braço e me olhou, e pela primeira vez vi bem como era o seu rosto, cínico e vingativo. Meu coração batia, de nervoso e cansaço. "É a última vez", eu disse, parando e dando dinheiro para ele, não sei quanto.

Mas não foi a última vez. Todos os dias ele surgia, repentina­mente, súplice e ameaçador, caminhando ao meu lado, arruinando a minha saúde, dizendo é a última vez doutor, mas nunca era. Minha pressão subiu ainda mais, meu coração explodia só de pensar nele. Eu não queria mais ver aquele sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?

Resolvi parar de trabalhar uns tempos. Falei com os meus colegas de diretoria, que concordaram com a minha ausência por dois meses.

A primeira semana foi difícil. Não é simples parar de repente de trabalhar. Eu me senti perdido, sem saber o que fazer. Mas aos poucos fui me acostumando. Meu apetite aumentou. Passei a dormir melhor e a fumar menos. Via televisão, lia, dormia depois do almoço e andava o dobro do que andava antes, sentindo-me ótimo. Eu estava me tornando um homem tranqüilo e pensando seriamente em mudar de vida, parar de trabalhar tanto.

Um dia saí para o meu passeio habitual quando ele, o pedinte, surgiu inesperadamente. Inferno, como foi que ele descobriu o meu endereço? "Doutor, não me abandone!" Sua voz era de mágoa e ressentimento. "Só tenho o senhor no mundo, não faça isso de novo comigo, estou precisando de um dinheiro, esta é a última vez, eu juro!" — e ele encostou o seu corpo bem junto ao meu, enquanto caminhávamos, e eu podia sentir o seu hálito azedo e podre de faminto. Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.

Fui na direção da minha casa, ele me acompanhando, o rosto fixo virado para o meu, me vigiando curioso, desconfiado, implacável, até que chegamos na minha casa. Eu disse, "espere aqui".

Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse "não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo". Não acabou de falar ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder.